domingo, 4 de dezembro de 2011

Crônica do pão de cada dia



Seu Jota levantou-se logo cedo. Preparou o café, meio ralo e doce. Comeu meia bolacha mais um naco de pão. Era só o que tinha.


O Sol também se levantou logo cedo. Preparou os raios, o calor, comeu um pouco daquela matéria de que são feitas as estrelas e foi-se.


Sairam ambos para o trabalho. Seu Jota, um pouco abatido, levava consigo suas ferramentas de fazedor de vida; já o Sol irradiava disposição e alegria.


Chegaram juntos ao campo. O Sol, de imediato, ficou ali paradão. De vez em quando se mexia, como se estivesse a curiar a labuta de Seu Jota, que malhava o ferro da enxada na terra brava.


Seu Jota já há algum tempo tentava extrair "algum roçado da cinza", mas era em vão. A Terra era muito arredia e não mais se abria ao carinho do moço. O Sol, enciumado, sempre punha algum ardor nessa tentativa de Seu Jota de feminilizar um pouco a Terra-macho. Era o diálogo de todos os sempres: cava a cova, põe a pérola, pérola semente, semente pouca, semente parca, água boa, água fina, água seca já não-água; pérola-semente já não semeia, não é mais sua a terra alheia. Fecha a cova, enterra a Terra, enterra os sonhos, enterra a vida.


O Sol do alto nem se incomoda e vê Seu Jota esvair-se em líquidos. Seu Jota volta pra casa, pois sente um vazio na sua alma; pois sente um vazio no seu corpo; pois sente um vazio em seu coração. Porém o Sol permanece lá, como se tentasse desfazer cada pedaço de esperança do sonho de Seu Jota.


O moço então retorna a sua Terra amara, amada, amor, amora amarga. O Sol do seu jeito, inclina-se a ir embora, e nunca dá as costas, sai em retirada. Seu Jota julga ao longe o que gorjeiam as aves, o que sussurram as nuvens e o vento o que declama. Sente a Noite convidá-lo para um passeio de regresso; com suas ferramentas de morte que hoje cavou a cova para a vida, amanhã cavará a cova pra um passeio sem retorno - usa-se enxada, pá, picareta, usa-se as mãos: eis a semente que se joga ao chão.


O Sol foi embora. Seu Jota voltou. Quem sabe em outro dia traçarão novas linhas. O Dia foi bom, a Noite desce com seus sotilégios, e melhor é estar em casa, com cada coisa em seu lugar. Amanhã recomeço.

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