segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Será uma crônica?

A Biblioteca
Kleber Brito

Oito estantes logo à frente, ocupadas de universos. Onze mesas com quatro cadeiras cada. Um ar cheiroso de jasmim - sei lá -, ou de alguma fragrância de chá, indecifrável. Sala enorme aquela. Seis pessoas. À minha direita, um homem, blusa branca, distinto, barbudo, compenetrado, lendo um calhamaço da grossura do meu pulso. A moça passa em direção à esquerda, andando por trás de mim. Ali no flanco direito, um rapaz com um livro gigante, a devorarem-se mutuamente. Garrafinha roxa de água ao seu lado. Essa garrafinha insinua-se. Veste uma blusa branca também. Não faz o tipo de atleta, apesar do tênis esportivo. No centro, um senhor de boné azul que lê um jornal. Folheia. Levanta-se, senta-se. Lê o jornal. Um gole na garrafinha roxa; risca-se um pouco aqui, risca-se ali. A moça atravessa a sala a passos lentos e rítmicos. Dois outros jovens à esquerda, um de casaco azul que senta, no flanco esquerdo de minha visão, levanta, senta, levanta, senta, levanta, faz que estuda, guarda os livros, recolhe o material e paira. Leva consigo o outro de camisa cinza, parece estudioso. O senhor folheia mais uma página. Gole na garrafinha roxa. A moça retorna de seu longo passeio perto da estante, parece uma rainha branca a cruzar o tabuleiro. Imagino um tabuleiro de xadrez. Enxadrista, reparo o movimento das peças adversárias. O velho deve ser uma torre imóvel, ameaçada de captura pela rainha que o cerca: só pode ser isso! As peças se movem. O homem sério deve ser o rei. O da garrafinha roxa supõe-se que seja a montaria. Seu jóquei deve ser o colega ao lado. Restou o rei negro-cinza estudioso, e o bispo que decola e pousa de um lado a outro da sala. Olha para mim o homem sério. Vai até o da garrafa, indica-lhe algo na anotação feita. Balbuciam. Preparam um xeque. Lá vem a moça que percorre a sala em passo lebre. O senhor interpreta a coluna social. Coisas de torre. Os jovens se erguem, cochicham e se dirigem para a moça, fazem-lhe perguntas, silenciam. Ameaçam a rainha pálida. O velho vê o cinema, as modelos. Que linda moça aquela da fotografia! As torres apreciam as moças aprisionadas pelos reis nos castelos. Nem um ruído. Passos? Ah, era a rainha. Fecha o guarda-chuva. Olha-me, indica o horário de fechamento. O tempo avança. Preparo minha jogada. O velho indaga-lhe a hora. Sai, volta e lê agora uma revista. Vejo de longe um título: O Passante. Cafezinho?! Quero não obrigado. Mais passos. Mais silêncio. Pensamentos? Levanto-me e vejo na estante um periódico com uma notícia aterradora: Rei morre afogado. Tenho pressa de escrever isto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário