sábado, 31 de dezembro de 2011

Crônica do último dia

 "As coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo." 2 Coríntios 5.17b


Daqui a pouco mais de duas horas será ano novo. Simples assim. E muitas pessoas farão votos dos mais simples aos mais estranhos. E como recita Jessier Quirino "Prometer como sem falta e faltar como sem dúvida" continuará sendo o lema de 2012, 2013, 2014...

Eu passei há alguns minutos  numa das ruas mais movimentadas da cidade em que moro e vi pessoas bebendo, outras sorrindo, outras bem vestidas, alguns em alta velocidade em suas motos, mas reparei que havia um senhor sentado num banco com a cabeça encostada na parede. Percebi que ele é, de todas aquelas pessoas que vi, a que melhor está esperando a chegada do ano novo.

Subitamente me veio à mente que o Ano Novo não gosta muito de hipocrisia, de falsas felicitações de paz e prosperidade. Percebi que o Ano Novo admira mesmo aqueles que o controem a cada dia, edificando o mundo com suas atitudes positivas e persistentes. Notei que não adianta levar na face um sorriso de cerveja, ou um "Aleluia" bem crente e não mudar a si mesmo, as próprias atitudes egoístas, e transformar-se de verdade, entregando-se a uma renovação profunda na alma e não apenas nos gestos em ocasiões festivas.

O ano velho está passando, um outro ano se faz novo. Porém são milhares os que tornam o ano novo mais velho que este que acaba hoje. 

Escrevo agora. Preciso renovar a minha mente, a minha fé, as minhas atitudes e deixar de ser hipócrita. Contudo só conseguirei tal feito se de fato eu deixar que Cristo transforme a cada dia o meu caráter e molde a minha personalidade, caso contrário serei uma dessas coisas velhas e inúteis que ainda não passaram.

Tenho que sair agora, despido da hipocrisia diária, e vestido com as vestes lavadas com o Sangue do Cordeiro, e juntar-me à multidão dos que inauguram um novo ano preparando-se para levar adiante o nome de Cristo marcado em suas vidas.

Feliz Ano Novo!

sábado, 24 de dezembro de 2011

O Aniversariante de 25 de dezembro

O Aniversariante de 25 de dezembro

A família dEle não era rica nem pertencia à realeza, mas Ele deixou uma impressão de realeza no mundo.
Durante 30 anos, Ele aprendeu, com sua família, o ofício de carpinteiro. Com o que Ele tinha, não tirando do que os outros tinham, Ele lutou para trazer transformação para as pessoas no mundo.
Sem ter nenhum cargo político e nenhuma aspiração política, ele atraia e liderava multidões. Suas parábolas, com simplicidade, traziam promessas, inspiração e esperança. Ele dava lições sem possuir nenhum diploma universitário, mas todas as universidades juntas nunca alcançaram nem ensinaram nem muito menos transformaram tantos alunos.
Ele ajudava os pobres sem usar programas governamentais de assistência. Ele os ajudava com os recursos do Pai, não com recursos tirados de outras pessoas.
Ele curava os doentes sem usar nenhum sistema público de saúde. Ele os curava com a misericórdia do Pai, não com a pretensa misericórdia do Estado.
Ele alimentava os famintos sem usar bolsas-família do governo.
Para onde quer que fosse, Ele atraia multidões, que pareciam comícios, mas Ele nunca usou essas aglomerações para promover políticos e suas políticas. Pelo contrário, sabendo da influência dEle sobre o povo e como Ele não aceitava nenhuma aliança política, os políticos queriam matá-Lo.
Mas Ele não tinha medo deles, chegando a chamar um poderoso governante de “raposa”, termo que significava indivíduo maligno.
Durante três anos, Ele exerceu Seu ministério renunciando à Sua profissão de carpinteiro, e Ele nunca fez menção de pedir verbas governamentais para Ele ou Seu ministério, que era voltado aos pobres de espírito. Sem pedir nem depender de nenhuma assistência governamental, Ele completou todo o trabalho que precisava ser feito.
Ele nunca viajou de jatinho particular. Na maioria das vezes, Ele andava a pé, e só em raríssimas ocasiões Ele andou de jumento.
Quando O prenderam por uma acusação falsa, nenhuma autoridade governamental apareceu para defender os direitos humanos dEle. E se a prisão dEle tivesse ocorrido hoje, os direitos humanos teriam sido usados contra Ele, por ter libertado mulheres da “profissão do sexo”, um cobrador de impostos e outros pecadores.
Ele foi preso por prometer e fazer coisas que os políticos prometem, mas nunca fazem.
Apesar de totalmente inocente, Ele não proferiu murmurações no tribunal.
Ele não tinha advogado, nem se importava com a influência dos que O estavam julgando, pois Ele sabia que no final há um Supremo Juiz diante do qual todos, juízes e políticos, terão de prestar contas.
O tribunal O condenou por falsos crimes e O sentenciou à morte, tudo porque Ele mudou corações e mentes de multidões com um grupo de apenas 12 homens. Ele foi condenado por ódio e inveja religiosa e política.
A morte dEle, mais do que qualquer política governamental, trouxe esperança e redenção para milhões de oprimidos. Diferente das ideologias que derramam o sangue de milhões, Ele derramou Seu próprio sangue por milhões.
Nunca antes houve um homem como Ele.
Por mais de dois mil anos, o mundo e suas ideologias têm tentado deturpar, sequestrar, corromper e até apagar a memória e os princípios de compaixão, ajuda e sabedoria dEle.
No mundo inteiro, os seguidores dEle são hoje centenas de milhões, que estão sofrendo ódio e inveja política e religiosa, em países comunistas e muçulmanos, que condenam os cristãos a torturas, prisão e morte, e nos próprios países ocidentais, que atacam o Cristianismo e seus seguidores com leis politicamente corretas que protegem a liberdade de expressão de islâmicos, comunistas, abortistas e gayzistas, mas deixam os cristãos sem amparo.
Mais e mais, países ocidentais que têm fortes tradições cristãs estão impondo, em nome da diversidade e pluralidade, o aparelhamento do Estado ao islamismo, ao homossexualismo e — e no Brasil — às religiões afro-brasileiras, enquanto o Aniversariante não pode ser lembrado no seu próprio aniversário. Os governos ocidentais têm cada vez mais banido a menção oficial do nome dEle no dia 25 de dezembro.
É claro que eles lembram aos cristãos que deve haver uma separação entre religião e Estado. Essa separação é necessária, pois quem matou Jesus, por ódio e inveja, foi exatamente a religião e o Estado. Aliás, o Estado precisa se separar de toda ideologia de ódio e inveja, inclusive o feminismo, o abortismo e o gayzismo.
Mas o Estado e seus políticos precisam de Deus. Do contrário, o ódio, a inveja e a corrupção sempre reinarão e o Estado sempre fará uma aliança com qualquer ideologia ou religião politicamente correta contra Ele e seus seguidores.
No Natal, vamos nos lembrar do Aniversariante, que nasceu para prometer as bênçãos de redenção, socorro e provisão do Pai para toda a humanidade e morreu para garantir o cumprimento.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Crônica natalina


Você também pensou que todo mundo fosse filho de Papai Noel?
Uma mentirinha que há muito tempo tenta sufocar uma grande Verdade.

Chegamos próximo ao Natal e muitos correm às lojas em busca de árvores, enfeites, luzes coloridas, presépios, panetones, perus, chocolate etc. E isso, desde que eu era criança e que li a história do nascimento do Salvador do mundo, me causa ainda hoje uma espécie de dúvida quando a capacidade intelectual das pessoas do mundo:

- Quem é o filho da virgem Maria? Jesus ou Papai Noel? 
- Quem é o Messias, o Emanuel, o Deus Conosco? Jesus ou Papai Noel?
- Quem é descendente (ou da linhagem) de Davi?
- Quem é o Filho de Deus? 
- Quem é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo?

Sei que vocês, meus poucos leitores, responderão JESUS. Mas muitas pessoas mundo afora nutrem uma espécie de idolatria cega pelo Papai Noel que assume o status de "bezerro de ouro" dos tempos modernos. 

Não quero questionar ou fazer uma digressão sobre a origem do Papai Noel. Penso que muitos estão caminhando para o lado contrário da Verdade, que é trazer a memória que "Um menino nasceu e seu nome será Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz" e não Papai Noel.

É lamentável isso. Sei que está é apenas uma ínfima expressão de um coração que "se encheu" dessa lenga-lenga de época natalina. Porém, diferente de muitos, deixo registrada essa insatisfação, para que algum provável leitor reflita comigo: "Para onde essa ilusão nos levará? À miragem de um oásis no meio do deserto?"


Pois é, parece que na Bíblia de muita gente, está escrito assim:


"E tendo nascido PAPAI NOEL na Lapônia ou no Polo Norte, no tempo do rei COELHINHO DA PÁSCOA, eis que umas RENAS vieram do oriente à América, dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos cristãos modernos? Porque vimos a sua Coca-cola no oriente, e viemos adorá-lo."


ao invés de


"E tendo nascido JESUS em Belém da Judéia no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos adorá-lo." Mateus 2.1-2

Deus tenha misericórdia de todos nós e faça resplandecer sobre nós o Seu rosto.

Kleber Brito

domingo, 18 de dezembro de 2011

Véspera de Natal

Andou a manhã toda sem parar para descansar os pés. Cansado estava sim. Já havia caminhado muito caatinga a dentro. Tinha em mente um alvo: chegar a tempo.
 
Tirou do bisaco algumas bolachas que pusera logo antes de sair pelo mundo, prevendo que a fome o alcançaria alguma hora.
 
Enquanto caminhava, mastigava pequenos pedaços da bolacha e, com eles, também mastigava as tristezas, as frustrações, as desilusões e o rancor que guardara desde criança.
 
A tarde o acompanhou no trajeto, impingindo o calor e o cansaço. Não desistia por nada.
 
Havia em seu olhar um brilho diferente e amedrontador. Ele estava alegre. Podia se ver isso. Seu olhar era fixo num ponto distante do horizonte.
 
Passo após passo, seguia firme. Suor escorria. A noite chegara. Ele naquele movimento repetido e de vez em quando molhava a garganta seca com pequenos goles d'água da cabacinha que também trouxera.
 
Mais bolachas, mais água, mais caminhada, mais dor nos pés, mais cansado, mais esperançoso, mais fixo o olhar, mais forte a lembrança, maior o desejo de chegar logo em casa.
 
Era véspera de Natal, e trazia consigo um presente inesquecível pelo qual aquela criança já esperava há quase 10 anos: um pai.

Kleber Brito

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Perguntas crônicas.


Chegou o fim do ano, estamos no último mês. E para nós, professores, é um misto de felicidade e preocupação. 

Felicidade, porque o ano letivo finda e com ele cessam os registros nos diários, o preenchimento de notas, o planejamento semanal de atividades, as reclamações dos pais de que seus filhos não são suportáveis em casa e que devem sê-lo na escola, aquele lenga-lenga de "Desliga o celular!", "Ponha no modo silencioso!" etc; cessam ainda as correções de atividades, de trabalhos escolares, de revisões de textos ilegíveis (na tentativa de encontrar algum sentido). Puxa, vida de professor não é o que você imagina!

Por outro lado, fica ainda uma pontinha de preocupação com os alunos; com os "bons" alunos e com os "maus" alunos. 

Recentemente li um artigo de um escritor paranaense que tratava desse assunto e fiquei intrigado na semelhança da realidade que ele descrevia com a que estou inserido. Ele falava que muitas vezes os alunos que consideramos "bons" como os caladinhos ou os quietinhos não são necessariamente bons, na perspectiva da aprendizagem efetiva. Segundo esse escritor, muitos desses alunos não atrapalham "o bom andamento da aula", mas também não contribuem com a aula para o desenvolvimento das habilidades e competências exigidas pelo TRIBUNAL SUPREMO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA. E há ainda aqueles "benditos" alunos que passam a aula toda conversando, inquietos, e que muitos julgam como "maus" alunos, mas que têm uma capacidade criativa enorme e um potencial de desenvolvimento cognitivo superior ao do próprio professor. 

Isso me fez refletir sobre minha atuação por todo esse ano que passou. Fui um bom filho? Fui um bom amigo? Fui um bom irmão? Fui um bom cidadão? Fui um bom professor? Silêncio...

Mas enfim, estou feliz porque cessam as atividades todas e tenho um pouco de paz para relaxar na companhia de parentes e amigos. Contudo, martela na minha mente se eu cumpri o papel de que me incumbiram: Contribui para a formação ou transformação do senso crítico dos meus alunos? Consegui fazer com que eles valorizassem e respeitassem a cultura, a língua e o pensamento do outro? Será que, por meu intermédio, eles passaram a ler mais, a escrever mais, a gostar de literatura e a apreciar música de qualidade?

A resposta é "NÃO SEI!". Não dá pra saber agora. Talvez um dia, quando eu morrer, alguém venha a colocar na lápide fria, ou em uma faixa memorável "PARABÉNS, PROFESSOR! VOCÊ CUMPRIU SEU PAPEL!". Talvez não.

"D'estar"... Ano que vem recomeço.



Sugestão de leitura: "O elefante"

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

VALORAÇÃO CRÔNICA


Fim de ano é sempre a mesma coisa. Somar as médias do bimestre, preencher a síntese, elaborar prova final, dar revisão dos conteúdos da prova final, aplicar a prova final, preencher a nota da PF, fazer todos aqueles cálculos e, depois disso, preencher a Média Final. E só. 

E só? "Ô louco, meu!". Essa moçada não estuda o ano todo, não se envolve nas atividades, passa os quatro bimestres mexendo no celular, saem da sala quando querem, a direção às vezes não se importa, os pais não se importam, o governo não quer saber disso (só quer saber dos índices). 

Durante o ano todo os pais tiveram a chance de poder acompanhar o desenvolvimento dos filhos, mas não pisaram na escola. Eles têm coisas mais importantes a fazer do que acompanhar o desenvolvimento dos filhos. Mas chega o fim do ano, eles querem fazer valer os direitos dos filhos, querem que eles sejam aprovados mesmo sem saberem escrever um parágrafo com coesão, coerência ou clareza mínimas. Alguns deles não sabem nem escrever o nome direito.

É... fazer o quê? Seguir as recomendações do MEC: "Bola pra frente!", não podemos macular os índices. O IDEB é mais importante do que a realidade em que se encontram muitos alunos de 3º ano do ensino médio que não sabem diferenciar uma incógnita de uma metáfora, nem português de matemática.

O Professor passa o ano seguindo a bitola do Livro Didático, faz de tudo para ver se os alunos conseguem aprender algo de bom e ... Prefiro não comentar mais. Chega de reclamar! Vou escrever sobre outra coisa.

Por último, faço apenas uma recomendação: Procure saber qual é o valor de um aluno para o governo federal. Então você vai saber do que estou falando.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Questão crônica.

QUESTÃO OU NÃO QUESTÃO? EIS A QUESTÃO.

Professor Kleber Brito

Sabe aquelas pragas que infestam uma planta e aos poucos, sem que o dono tenha tempo de tomar as devidas providências, se alastram pela lavoura toda? Pois é. Não pense que na língua falada ou escrita é diferente. Vez por outra, com o descuido dos milhões de cultivadores das palavras, uma moda se incorpora na língua “e aí já era!”.

Talvez você já tenha se contaminado com a praga da “questão”. E, de repente, quando você tentava transmitir uma informação mais bem elaborada ou mesmo num momento informal, a “questão” aparece.

Eu explico melhor. Dois amigos conversam sobre a política brasileira:

- Como você entende a questão do aumento salarial dos professores?

- A questão não é essa. A questão é que muito se tem falado na qualidade da educação...

Viu? Percebeu o nódulo? Não? “Pera aí”!

- Professora, e a questão das drogas nas comunidades?

- Querida, os traficantes são os grandes responsáveis, mas a questão da polícia combater é outro problema.

Dos feirantes aos professores universitários, a questão tem tomado conta de tudo. Recentemente, em uma palestra a mediadora soltou essa:

A sociedade precisa pensar na questão da criança hoje.

Ela poderia ter dito “A sociedade precisa pensar na criança hoje”; ou “A sociedade precisa pensar nos problemas que as crianças enfrentam hoje”; ou ainda “A sociedade precisa pensar na condição da criança hoje”. Mas ao invés disso, não, claro que não! Ela enfia a questão no meio.

Acho que meu bom leitor entendeu a questão[1], digo, o problema. Não é mesmo?

Enfim, como não é uma questão digna de um debate acadêmico, é melhor partir para outra questão, pois esta já está se tornando uma questão repetitiva. Porém, como ninguém se importa com essa questão, é melhor abordar a questão das enchentes, a questão da política, a questão do aquecimento global além de outras questões.

Qual a próxima questão a ser discutida?



[1] “Danou-se que a questão impregnou no meu texto também!”

Será uma crônica?

A Biblioteca
Kleber Brito

Oito estantes logo à frente, ocupadas de universos. Onze mesas com quatro cadeiras cada. Um ar cheiroso de jasmim - sei lá -, ou de alguma fragrância de chá, indecifrável. Sala enorme aquela. Seis pessoas. À minha direita, um homem, blusa branca, distinto, barbudo, compenetrado, lendo um calhamaço da grossura do meu pulso. A moça passa em direção à esquerda, andando por trás de mim. Ali no flanco direito, um rapaz com um livro gigante, a devorarem-se mutuamente. Garrafinha roxa de água ao seu lado. Essa garrafinha insinua-se. Veste uma blusa branca também. Não faz o tipo de atleta, apesar do tênis esportivo. No centro, um senhor de boné azul que lê um jornal. Folheia. Levanta-se, senta-se. Lê o jornal. Um gole na garrafinha roxa; risca-se um pouco aqui, risca-se ali. A moça atravessa a sala a passos lentos e rítmicos. Dois outros jovens à esquerda, um de casaco azul que senta, no flanco esquerdo de minha visão, levanta, senta, levanta, senta, levanta, faz que estuda, guarda os livros, recolhe o material e paira. Leva consigo o outro de camisa cinza, parece estudioso. O senhor folheia mais uma página. Gole na garrafinha roxa. A moça retorna de seu longo passeio perto da estante, parece uma rainha branca a cruzar o tabuleiro. Imagino um tabuleiro de xadrez. Enxadrista, reparo o movimento das peças adversárias. O velho deve ser uma torre imóvel, ameaçada de captura pela rainha que o cerca: só pode ser isso! As peças se movem. O homem sério deve ser o rei. O da garrafinha roxa supõe-se que seja a montaria. Seu jóquei deve ser o colega ao lado. Restou o rei negro-cinza estudioso, e o bispo que decola e pousa de um lado a outro da sala. Olha para mim o homem sério. Vai até o da garrafa, indica-lhe algo na anotação feita. Balbuciam. Preparam um xeque. Lá vem a moça que percorre a sala em passo lebre. O senhor interpreta a coluna social. Coisas de torre. Os jovens se erguem, cochicham e se dirigem para a moça, fazem-lhe perguntas, silenciam. Ameaçam a rainha pálida. O velho vê o cinema, as modelos. Que linda moça aquela da fotografia! As torres apreciam as moças aprisionadas pelos reis nos castelos. Nem um ruído. Passos? Ah, era a rainha. Fecha o guarda-chuva. Olha-me, indica o horário de fechamento. O tempo avança. Preparo minha jogada. O velho indaga-lhe a hora. Sai, volta e lê agora uma revista. Vejo de longe um título: O Passante. Cafezinho?! Quero não obrigado. Mais passos. Mais silêncio. Pensamentos? Levanto-me e vejo na estante um periódico com uma notícia aterradora: Rei morre afogado. Tenho pressa de escrever isto.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Crônica do pão de cada dia



Seu Jota levantou-se logo cedo. Preparou o café, meio ralo e doce. Comeu meia bolacha mais um naco de pão. Era só o que tinha.


O Sol também se levantou logo cedo. Preparou os raios, o calor, comeu um pouco daquela matéria de que são feitas as estrelas e foi-se.


Sairam ambos para o trabalho. Seu Jota, um pouco abatido, levava consigo suas ferramentas de fazedor de vida; já o Sol irradiava disposição e alegria.


Chegaram juntos ao campo. O Sol, de imediato, ficou ali paradão. De vez em quando se mexia, como se estivesse a curiar a labuta de Seu Jota, que malhava o ferro da enxada na terra brava.


Seu Jota já há algum tempo tentava extrair "algum roçado da cinza", mas era em vão. A Terra era muito arredia e não mais se abria ao carinho do moço. O Sol, enciumado, sempre punha algum ardor nessa tentativa de Seu Jota de feminilizar um pouco a Terra-macho. Era o diálogo de todos os sempres: cava a cova, põe a pérola, pérola semente, semente pouca, semente parca, água boa, água fina, água seca já não-água; pérola-semente já não semeia, não é mais sua a terra alheia. Fecha a cova, enterra a Terra, enterra os sonhos, enterra a vida.


O Sol do alto nem se incomoda e vê Seu Jota esvair-se em líquidos. Seu Jota volta pra casa, pois sente um vazio na sua alma; pois sente um vazio no seu corpo; pois sente um vazio em seu coração. Porém o Sol permanece lá, como se tentasse desfazer cada pedaço de esperança do sonho de Seu Jota.


O moço então retorna a sua Terra amara, amada, amor, amora amarga. O Sol do seu jeito, inclina-se a ir embora, e nunca dá as costas, sai em retirada. Seu Jota julga ao longe o que gorjeiam as aves, o que sussurram as nuvens e o vento o que declama. Sente a Noite convidá-lo para um passeio de regresso; com suas ferramentas de morte que hoje cavou a cova para a vida, amanhã cavará a cova pra um passeio sem retorno - usa-se enxada, pá, picareta, usa-se as mãos: eis a semente que se joga ao chão.


O Sol foi embora. Seu Jota voltou. Quem sabe em outro dia traçarão novas linhas. O Dia foi bom, a Noite desce com seus sotilégios, e melhor é estar em casa, com cada coisa em seu lugar. Amanhã recomeço.