sábado, 31 de agosto de 2013

A concepção de alteridade no filme Xingu


A concepção de alteridade na expressão de Cláudio Villas Boas: “Para mim, eles ‘indígenas’ não eram selvagens. Eu simplesmente estava diante de outra civilização. O encontro mudou nossas vidas para sempre”.


O filme Xingu (2012), do diretor Cao Hamburger, apresenta a trajetória épica dos irmãos Villas-Bôas, sertanistas brasileiros que participaram da vanguarda do processo de interiorização do Brasil, mais especificamente da Expedição Roncador-Xingu, criada em 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas.
O objetivo dessa expedição era, inicialmente, conhecer e desbravar as áreas mostradas em branco nas cartas geográficas, ou melhor, e tomando por base as palavras do próprio Getúlio Vargas, na “Saudação aos Brasileiros”, pronunciado Palácio da Guanabara, em 31 de dezembro de 1937:

O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste. No século XVIII, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o Continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: — dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal, com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial.

Aos 30:09 minutos do filme Xingu, Cláudio Villas-Bôas, representado pelo ator João Miguel, diz a seguinte frase: “Para mim eles não eram selvagens. Eu simplesmente estava diante de outra civilização. O encontro mudou nossas vidas para sempre”.
Notadamente, afastando-se da segmentação cultural que reside na divisão entre culturas superiores e culturas inferiores – e já no cerne daquilo que chamamos alteridade, em outras palavras, colocar-se no lugar do outro, ou mesmo reconhecer-se no outro –, vemos que a perspectiva adotada por Cláudio Villas-Bôas aponta para a compreensão do índio não como um selvagem, desprovido de qualquer organização social e/ou cultural, pelo contrário, foi radicado por uma intensa preocupação preservacionista e protecionista que se procurou interferir o mínimo possível na vida desses povos. Entretanto, é do conhecimento público que não foi bem isso o que aconteceu, à despeito do que os irmãos Villas-Bôas almejavam.
Cláudio, em sua fala, revela o que, desde seu primeiro encontro em que se propôs superar a atitude de temor diante dos índios, o motivou a proteger e resguardar os povos do Xingu de contatos indiscriminados com as frentes de penetração de nossa sociedade, a saber, aprender toda a riqueza cultural dos povos indígenas do Xingu, o que o conduziu à defesa da integridade física, bem como da integridade cultural dos “xinguanos”.
E é esta perspectiva de encontro de práticas culturais, de acolhimento do outro e de educação para a diversidade, nascida sob o olhar da antropologia como ciência empírica e como reflexão filosófica, que vai fundamentar o educador em sua prática educativa significativa na formação social do indivíduo. Tal educador, munido de recursos oriundos da relação entre Antropologia e Educação, das considerações de Emmanuel Lévinas (um dos autores mais importantes no que tange à reflexão moral contemporânea) acerca da alteridade, do que considera Christian Descamps no que se refere à co-presença ética e a relação com o Outro, como também dos apontamentos de Jürgen Habermas no tocante à relação entre o “eu” e o “outro”, e diante de um mundo globalizado que reduz a condição humana à de um produto descartável, pode atuar como um Villas-Bôas, na promoção de uma educação multicultural.


Referências Bibliográficas

MENDES, Bartolomeu de Jesus. Diversidade na Religiosidade (entre Identidades e Diferenças). Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_III/bartolomeu_jesus.pdf. Acesso em: 13 de março de 2013.

MIRANDA, José Valdinei Albuquerque. Infinito e Alteridade em Levinas. Disponível em: http://www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/013e3.pdf. Acesso em: 13 de março de 2013.

MOLAR, Jonathan de Oliveira. Alteridade: uma noção em construção. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/493_215.pdf Acesso em: 14 de março de 2013.


VARGAS, Getúlio. No limiar do ano de 1938 (saudação aos brasileiros, pronunciada no Palácio Guanabara e irradiada para todo o país, à meia noite de 31 de dezembro de 1937). Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/getulio-vargas/discursos-1/1937/08.pdf/download.  Acesso em: 14 de março de 2013.

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