terça-feira, 11 de março de 2014

Literatura e Games - Entrevista com Bráulio Tavares


Estou produzindo um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), para o Curso de Especialização em Fundamentos da Educação da UEPB, sobre Jogos digitais e ensino de literatura, abordando a possibilidade de alunos de escolas públicas criarem pequenos jogos de Role Playing Game (RPG) baseados em narrativas de autores paraibanos. Resolvi, então, pesquisar na internet algum artigo ou postagem simples sobre "videogames e literatura", e muito por acaso encontrei uma referência a um vídeo do Youtubeintitulado "GameWhat?". E lá estava Bráulio Tavares, dando seus "pitacos", como ele diz. Ocorreu-me, então, a ideia de entrevistá-lo sobre a relação entre literatura e games.


Para quem não o conhece, Bráulio Tavares é "Campinagrandense". Escritor, compositor, colunista do Jornal da Paraíba, é autor de O que é Ficção Científica (1986), A Espinha Dorsal da Memória (1989, 1996), Mundo Fantasmo (1996, 1997), A Máquina Voadora (1994, 1997) e Contando Histórias em Versos (2005), dentre outras obras. 

Não pensei duas vezes: escrevi um e-mail para o escritor com algumas perguntas. Ele, um gentleman como sempre, respondeu-me com muita presteza e atenção. Permitindo, inclusive, que esta entrevista fosse publicada neste blog.

Mas vamos ao que interessa.


Entrevista com Bráulio Tavares


Crônicas de Professor - O que você pensa da ideia de uma narrativa sua, ou de algum(ns) personagem(ns) de sua obra, servir de base para um jogo digital, mesmo que seja um pequeno jogo para fins didáticos?

Bráulio Tavares - Esse tipo de pedido envolve duas situações. Para uma utilização amadora, didática, sem fins lucrativos, posso ceder os direitos sem nenhum problema. Se uma empresa profissional quiser usar material meu para um jogo de finalidades comerciais, então o natural é a gente exigir algum tipo de pagamento.



Crônicas de Professor - Como você vê a ideia de se utilizar softwares de criação de jogos no ensino de literatura, para estimular os alunos a lerem determinadas obras e a criarem outras narrativas "derivadas" (digamos assim) dessas histórias?


Bráulio Tavares - Qualquer coisa é válida se despertar o interesse, o entusiasmo, a criatividade do aluno. Se o aluno acha literatura uma coisa chata, mas gosta de games, pode-se usar o game como uma isca para que alguns deles (serão sempre alguns, nunca são todos; é nesses "alguns" que se deve investir) venham a descobrir a literatura. Não se deve esperar uma solução mágica, que torne todo mundo apaixonado por literatura. Todo mundo deveria gostar de literatura, mas infelizmente não é o que acontece; deve-se investir naqueles que têm esse interesse. Os outros vão gostar de outras coisas - se vierem a se interessar por teatro ou por pintura, p. ex., também é um lucro.


Crônicas de Professor Como você compreende essa relação entre literatura e videogames?

Bráulio Tavares - A literatura é a arte de contar histórias. Qualquer game que conte uma história está lançando mão dos recursos da literatura. No que diz respeito a jogos mais complexos, eu diria que a literatura pode fornecer os ambientes (p. ex., o sertão), os personagens (p. ex., um bando de cangaceiros ou jagunços), a missão (derrotar um inimigo, ou atravessar um território hostil, ou libertar uma cidade, etc.), e a história será a parte interativa, a que o jogador irá criar em parceria com o jogo. Não creio que se possa falar em "adaptação" ("Esta é uma adaptação da "Odisseia" de Homero para videogame") mas de aproveitamento: o game está aproveitando elementos da Odisseia, mas o objeto não é adaptar uma obra já existente, e sim usar alguns elementos para criar uma obra nova, em parceria com o leitor/jogador.


Crônicas de Professor Alguns jogos como Fahrenheit 451, inspirado em livro homônimo, Alone in the Dark , inspirado em um conto de H. P. Lovecraft e nas histórias de Edgar Allan Poe, American McGee's Alice, inspirado em Alice no País das Maravilhas, e Bioshock, inspirado em Nação, de Any Rand, dentre outros, são exemplos do que você chama de "aproveitamento de elementos para criar uma nova obra". Agora, observando o caminho inverso, como você compreende a influência dos games na literatura, em obras como Mãos de Cavalo (Companhia das Letras, 2006), Nerdquest (7Letras, 2008), A feia noite (7Letras) que é cheio de referências ao jogo "Campo Minado" do Windows, e Areia nos Dentes que é inspirado em Alone in the Dark 3 (que fora inspirado no conto de Lovecraft)?

Bráulio Tavares - Todas as artes narrativas (cinema, quadrinhos, teatro, games) pegam carona na literatura, que é o repositório básico de histórias, o banco de dados acessível a todos. E, à medida que crescem, elas próprias passam a influenciar a literatura, pois os escritores vão ao cinema, leem HQ, jogam games etc. Essa influência mútua é ótima, para que cada um pegue as coisas que pode aproveitar do outro.


Crônicas de Professor Evidentemente, você também deve ter se aventurado no universo gammer em uma ou outra oportunidade. De que jogos você mais gostava? Chegou a possuir algum videogame? Tem algum em casa hoje? Ainda joga videogame?

Bráulio Tavares - Na verdade eu nunca fui muito de jogar, mas meu filho Gabriel, que nasceu em 1992, começou a jogar desde cedo. Eu o acompanhei em jogos (que acho excelentes) como "Grim Fandango", "Ilha dos Macacos". Mas jogo para eu mesmo jogar o mais importante foi "Myst", que ficou como um modelo para mim.
Hoje em dia, mesma coisa: ele fica jogando explicando o contexto, e eu acompanho durante uma ou duas horas, dando palpite, "agora faz isso, agora faz aquilo". Não tenho a sensação física de estar jogando, mas entendo a mecânica.


Crônicas de Professor Já pensou em escrever algum conto cuja temática seja um jogo de videogame que te marcou na adolescência?

Bráulio Tavares - Acho que a temática dos games apareceu nos meus contos antes mesmo de eu conhecer os games detalhadamente. Em "Jogo Rápido" (no livro A ESPINHA DORSAL DA MEMÓRIA) mostro gangs urbanas fazendo atos de terrorismo poético e disputando pontos num ranking só delas. "Paperback Writer" (no livro MUNDO FANTASMO) é um game literário interativo num teatro. E eu sempre sinto algo de videogame em todas aquelas histórias onde um personagem com amnésia desperta num ambiente estranho e descobre que está sendo perseguido por algum motivo.


Crônicas de Professor - Agradecemos imensamente sua atenção. Grande Abraço. 


Bráulio Tavares - Abraços.



* Esta entrevista foi feita via e-mail, nos dias 05 e 09 de março de 2014.

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