sábado, 13 de março de 2021

Miniconto - A última badalada

 

A última badalada

Kleber Brito


A missa transcorrera bem até aquele momento. O padre já estava nos arremates finais da liturgia quando os sinos bateram violentamente. Mas como? Se a missa ainda não terminara? Não era o fim da missa que os sinos anunciavam. Era a invasão.

Cerca de trinta minutos antes, os soldados da volante passeavam ao largo da praça da matriz. Belarmino avistara os parques, um pequeno tumulto e fora averiguar. Nada. O negro Cosme perambulava de barraca em barraca, provando iguarias, jogando no bazar, tomando umas e outras. Gastava o tempo. Cinésio estava de namorico com a filha de Severino Migué e voltava ajeitando a farda, quando encontrou os companheiros por detrás da matriz.

Justiniano, o fotógrafo, ofereceu-lhes, de cortesia, um retrato, lembrança daquela festa de padroeira, cortesia pela proteção policial. Olha o xis, 1, 2, ...

O clamor dos badalos assustou a todos. Seria o fim da missa? A chuva de balas dizia que não. Cangaceiros? Pior! Cangaceiros mortos! As balas? Inofensivas fisicamente. Mas o tumulto da marcha dos cavalos fantasma não deixou um vivente na rua.

Seria aquela a mortandade que assola ao meio dia? Ninguém tinha resposta. O padre, fechando a última porta do templo, escutou o destampatório de foguetões que Luiz da pipoca soltou, julgando que atingiria com os rojões as assombrosas figuras fantasmagóricas.

As bombas atravessaram cavalos e cangaceiros e atingiram as costas do padre que, ferido, clamava por misericórdia.

Os cavaleiros mortos deram sete voltas ao redor do templo e só saíram dali quando o coroinha pálido e gelado, extremamente aterrorizado, antes de cair estatelado na calçada, tocou a última badalada que marcava o meio dia.


*Na imagem acima, publicada por Cléa Cordeiro Rodrigues no grupo do Facebook "Inesquecíveis anos 70 em Boqueirão" em 11 de maio de 2012, temos Zé Biu, Fausto Eufrásio e Chico Cotó, cidadãos boqueirãoenses. Esta foto serviu de base para a criação deste miniconto durante Oficina de Criação Literária realizada na ECIT Conselheiro José Braz do Rêgo, Boqueirão-PB, em 2019.

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