É conveniente, antes de prosseguirmos a qualquer análise e apontamento,
enunciarmos algumas definições, de caráter muito básico, com a finalidade de
tornar o conteúdo desta exposição mais preciso.
IDENTIDADE
A identidade, segundo Mezan
(1986), não é um elemento que cada um de nós possui ao nascer, é algo que
adquirimos aos poucos, ao longo de nossa infância, de nossa educação, de nossa
vida. Ela situa-se no ponto de cruzamento entre o que vem de nós, a saber, o
equipamento psíquico com o que nascemos, e o que vem de fora, da realidade
externa.
DIFERENÇA
A identidade é uma relação social, tanto quanto a diferença. Isso significa que tanto uma quanto outra estão sujeitas
a vetores de força, a relações de poder. Incluir/excluir, demarcar
“fronteiras”, classificar e normatizar são marcas desse processo de
identificação e diferenciação.
A diferenciação, por definir quem é o “outro”, acaba sendo responsável
pela construção ou produção da alteridade, já que o torna identificável, visível
ou previsível. E mais ainda, ao separar, classificar, dividir, a diferenciação resulta
na hierarquização, pois ao fixar uma determinada identidade como norma,
atribui-se a essa identidade todas as características positivas possíveis, o
que acaba resultando na avaliação das outras identidades como negativas. Em
certa medida, é necessária a negatividade da diferença para afirmar a
positividade e a normalidade da identidade.
ESTADO E NAÇÃO
Segundo Giddens (2001 apud Sobral,
2005 ), entende-se por estado o
aparelho político que governa uma determinada ordem territorial, cuja
autoridade se baseia na lei e que tem capacidade para usar a força.
Guibbernau (1999 apud Sobral,
2005) define nação como um grupo
humano que possui a consciência de formar uma comunidade, partilhar uma cultura
comum, ligada claramente a um território demarcado, ter um passado comum e um
projeto comum para o futuro e reivindicar o direito de auto-governar-se. Nesse
sentido, pode-se inclusive considerar a definição de nação como uma “comunidade
imaginada”, já que para que exista, é necessário que um número considerável de
pessoas de uma determinada comunidade se “imaginem” como integrantes dessa
nação.
Ainda segundo Guibbernau (1999 apud
Sobral, 2005), o sentimento de pertencer a uma comunidade em que os membros se
identificam com um conjunto de valores, modos de vida, crenças, símbolos e que
cultivam o desejo de decidir sobre um destino político comum é definido como nacionalismo.
IDENTIDADE NACIONAL
Entende-se por identidade nacional
o estar consciente de pertencer a uma nação e atuar em consequência disso.
Com o surgimento dos Estados-nação, o Estado torna-se o gerente da
identidade para a qual ele instaura regulamentos e controles.
Na formação dessa identidade nacional, fruto de uma “consciência” de
nação ou de um “sentimento de pertencimento”, alguns elementos são acionados
para representar essa nação e produzir significados: a língua, a raça e a
história enquanto narrativa(s) homogeneizadora(s) foram e são essenciais para a
construção das identidades, culturas e consciência nacionais, reforçando a
internalização da ideia de pertencimento nacional.
TAL PAI, QUAL FILHO? NARRATIVAS DA
IDENTIDADE NACIONAL
Edgar De Decca, em Tal pai, qual
filho? Narrativas da identidade nacional, retoma a visão de Octávio Paz
para afirmar que somos um projeto de utopia europeia, o novo mundo em que o
futuro deveria ser construído e os laços com a tradição seriam desfeitos, até
porque o “novo” não precisaria das amarras do “velho”. Para De Decca, aqui
reside a matriz de nossa ambiguidade, ao se tentar elaborar um ideário nacional.
Tal ambiguidade reside no fato de ora reivindicarmos a utopia imaginada pelo
europeu, ora queremos negá-la.
Outro autor que se debruçou nas considerações de Octávio Paz foi Otávio
Souza, em Fantasia de Brasil: as
identificações na busca da identidade nacional. Nesta obra, cujo mote é a
retomada da tradição freudiana de textos de investigação da cultura, o autor
procura analisar a paixão brasileira pela busca da identidade nacional,
principalmente entre os intelectuais. Uma das questões que Otávio Souza aponta
nesta obra é como desinflar aquilo que foi a nossa posição fundadora, a de ser
o projeto utópico da Europa. Ele afirma ainda que a Literatura Brasileira, em
sua essência, nomeia uma série de atributos que qualificam o que deve ser
tomado como verdadeiro na constituição do Brasil enquanto nação.
De Decca, por sua vez, considera que essa busca pela identidade nacional
é produto do século XIX e está marcada pelo romantismo que fez com que a
história brasileira passasse a condição de lenda familiar em que o mandato de
colonizador é passado de pai (D. João VI) para filho (D. Pedro I), e de novo de
pai (D. Pedro I) para filho (D. Pedro II). O autor diz que a identidade
nacional é formada na ótica do branco europeu, homem que abandonou sua terra
natal em busca desse novo mundo utópico. E dessa forma, excluindo outros
personagens do processo de formação da identidade nacional, não há espaço para
a voz do índio nem do negro.
O mesmo autor afirma que na obra “indianista” de José de Alencar, se
construirá, através da exaltação da pureza da natureza brasileira, o palco em
que se buscará esquecer o passado destruidor do europeu perante o massacre da
cultura dos nativos e da própria natureza, em detrimento de um futuro conciliador
entre o europeu e o índio. Resulta disso que tanto em Iracema quanto O Guarani
a afetividade que pode existir entre dois povos tão distintos leva à superação
de crises vividas por ambos.
Para Edgar De Decca, Os Sertões,
de Euclides da Cunha, obra que ele considera uma das maiores da Literatura
Brasileira, aponta as diferenças e exclusão social, denuncia crimes cometidos
em busca da identidade nacional e propõe um (re) pensar sobre esse
empreendimento.
Registre-se ainda que, além desses autores citados por De Decca, nomes
como Paulo Prado, Joaquim Nabuco, Jorge Amado e Fernando morais, por exemplo,
indicaram pontos negativos na busca pela formação da identidade do Brasil.
Paulo Prado, em Retrato do Brasil: ensaio
sobre a tristeza brasileira, defendera a revolta social como um avanço de
consciência da elite e do restante da população; Joaquim Nabuco, em O Abolicionismo, destacara que qualquer
mudança que provocasse uma transformação social deveria iniciar com o fim do
regime escravocrata; Jorge Amado, em O
Cavaleiro da Esperança, defendera a revolução proletária através de suas
etapas necessárias; e Fernando Morais, em Olga,
ressalta que devemos lembrar do sofrimento como arma política para consolidar
um país como verdadeiramente democrático.
Não podemos nos esquecer de agregar ao fardo de todas estas obras
anteriormente citadas, O Romance d’a
Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, em que a busca da identidade nacional é
uma preocupação constante do narrador Quaderna. Segundo afirma Sônia Lúcia
Ramalho de Farias, essa busca marca as inquietações filosóficas, políticas e
literárias do narrador e de seus dois mentores intelectuais Clemente e Samuel,
na tentativa de reinterpretar a história do Brasil. Para ela,
Todos
eles procuram reinterpretar a história do Brasil, delineando o que julgam
constituir o cerne da nacionalidade brasileira e os traços constitutivos da
cultura e do caráter nacionais. (...) A obra de Quaderna constitui, na verdade,
uma síntese conciliadora das concepções e dos estilos aparentemente antagônicos
de Clemente e Samuel, figuras estereotipadas, de forma maniqueísta, e
representativas no texto, respectivamente, do intelectual de esquerda (negro) e
do intelectual de direita (branco).
Como vimos, esse problema da identidade nacional vem sendo discutido
desde o século XIX. No passar do tempo, foi sendo abordado sob diferentes
ângulos e ainda o será mais adiante. Há muito ainda o que se pesquisar e se
discutir, e, evidentemente, este post se constitui apenas de poucos traços
de um esboço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DECCA,
Edgar Salvadore de. Tal Pai, qual filho?
Narrativas da Identidade Nacional. In: BRESCIANI, Maria Stella; CHIAPPINI,
Lígia (Orgs.). Literatura e Cultura no Brasil: Identidades e fronteiras. São
Paulo: Cortez, 2002. p. 15 – 27.
FARIAS,
Sônia Lúcia Ramalho de. Ariano Suassuna: Espaço
Regional, Cultura e Identidade Nacional. Disponível em: http://lfilipe.tripod.com/soniaramalho.htm. Acesso em: 12 de abril de 2013.
GRECCO,
Priscila Miraz de Freitas. De una
máscara a outra: A questão da identidade em El laberinto de la soledad, de
Octavio Paz - A importância das revistas culturais no itinerário intelectual de
Octavio Paz. Disponível em: http://anphlac.org/upload/anais/encontro8/priscila_miraz_freitas_grecco%20.pdf.
Acesso em: 10 de abril de 2013.
MEZAN,
Renato. Identidade e Identificação. Disponível
em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/identidadeidentificacao.html.
Acesso em: 09 de abril de 2013.
NABUCO,
Joaquim. O Abolicionismo. Disponível
em: http://www.culturabrasil.org/zip/oabolicionismo.pdf. Acesso em: 10 de abril
de 2013.
Excelente texto, professor Kleber Brito. Grato.
ResponderExcluirProf. Ms. Adílio Ferreira Soares.
27-09-2019.