segunda-feira, 15 de abril de 2013

Narrativas da Identidade Nacional




É conveniente, antes de prosseguirmos a qualquer análise e apontamento, enunciarmos algumas definições, de caráter muito básico, com a finalidade de tornar o conteúdo desta exposição mais preciso.

IDENTIDADE

A identidade, segundo Mezan (1986), não é um elemento que cada um de nós possui ao nascer, é algo que adquirimos aos poucos, ao longo de nossa infância, de nossa educação, de nossa vida. Ela situa-se no ponto de cruzamento entre o que vem de nós, a saber, o equipamento psíquico com o que nascemos, e o que vem de fora, da realidade externa.

DIFERENÇA

A identidade é uma relação social, tanto quanto a diferença. Isso significa que tanto uma quanto outra estão sujeitas a vetores de força, a relações de poder. Incluir/excluir, demarcar “fronteiras”, classificar e normatizar são marcas desse processo de identificação e diferenciação.
A diferenciação, por definir quem é o “outro”, acaba sendo responsável pela construção ou produção da alteridade, já que o torna identificável, visível ou previsível. E mais ainda, ao separar, classificar, dividir, a diferenciação resulta na hierarquização, pois ao fixar uma determinada identidade como norma, atribui-se a essa identidade todas as características positivas possíveis, o que acaba resultando na avaliação das outras identidades como negativas. Em certa medida, é necessária a negatividade da diferença para afirmar a positividade e a normalidade da identidade.

ESTADO E NAÇÃO

Segundo Giddens (2001 apud Sobral, 2005 ), entende-se por estado o aparelho político que governa uma determinada ordem territorial, cuja autoridade se baseia na lei e que tem capacidade para usar a força.
Guibbernau (1999 apud Sobral, 2005) define nação como um grupo humano que possui a consciência de formar uma comunidade, partilhar uma cultura comum, ligada claramente a um território demarcado, ter um passado comum e um projeto comum para o futuro e reivindicar o direito de auto-governar-se. Nesse sentido, pode-se inclusive considerar a definição de nação como uma “comunidade imaginada”, já que para que exista, é necessário que um número considerável de pessoas de uma determinada comunidade se “imaginem” como integrantes dessa nação.
Ainda segundo Guibbernau (1999 apud Sobral, 2005), o sentimento de pertencer a uma comunidade em que os membros se identificam com um conjunto de valores, modos de vida, crenças, símbolos e que cultivam o desejo de decidir sobre um destino político comum é definido como nacionalismo.

IDENTIDADE NACIONAL

Entende-se por identidade nacional o estar consciente de pertencer a uma nação e atuar em consequência disso.
Com o surgimento dos Estados-nação, o Estado torna-se o gerente da identidade para a qual ele instaura regulamentos e controles.
Na formação dessa identidade nacional, fruto de uma “consciência” de nação ou de um “sentimento de pertencimento”, alguns elementos são acionados para representar essa nação e produzir significados: a língua, a raça e a história enquanto narrativa(s) homogeneizadora(s) foram e são essenciais para a construção das identidades, culturas e consciência nacionais, reforçando a internalização da ideia de pertencimento nacional.

TAL PAI, QUAL FILHO? NARRATIVAS DA IDENTIDADE NACIONAL

Edgar De Decca, em Tal pai, qual filho? Narrativas da identidade nacional, retoma a visão de Octávio Paz para afirmar que somos um projeto de utopia europeia, o novo mundo em que o futuro deveria ser construído e os laços com a tradição seriam desfeitos, até porque o “novo” não precisaria das amarras do “velho”. Para De Decca, aqui reside a matriz de nossa ambiguidade, ao se tentar elaborar um ideário nacional. Tal ambiguidade reside no fato de ora reivindicarmos a utopia imaginada pelo europeu, ora queremos negá-la.
Outro autor que se debruçou nas considerações de Octávio Paz foi Otávio Souza, em Fantasia de Brasil: as identificações na busca da identidade nacional. Nesta obra, cujo mote é a retomada da tradição freudiana de textos de investigação da cultura, o autor procura analisar a paixão brasileira pela busca da identidade nacional, principalmente entre os intelectuais. Uma das questões que Otávio Souza aponta nesta obra é como desinflar aquilo que foi a nossa posição fundadora, a de ser o projeto utópico da Europa. Ele afirma ainda que a Literatura Brasileira, em sua essência, nomeia uma série de atributos que qualificam o que deve ser tomado como verdadeiro na constituição do Brasil enquanto nação.
De Decca, por sua vez, considera que essa busca pela identidade nacional é produto do século XIX e está marcada pelo romantismo que fez com que a história brasileira passasse a condição de lenda familiar em que o mandato de colonizador é passado de pai (D. João VI) para filho (D. Pedro I), e de novo de pai (D. Pedro I) para filho (D. Pedro II). O autor diz que a identidade nacional é formada na ótica do branco europeu, homem que abandonou sua terra natal em busca desse novo mundo utópico. E dessa forma, excluindo outros personagens do processo de formação da identidade nacional, não há espaço para a voz do índio nem do negro.
O mesmo autor afirma que na obra “indianista” de José de Alencar, se construirá, através da exaltação da pureza da natureza brasileira, o palco em que se buscará esquecer o passado destruidor do europeu perante o massacre da cultura dos nativos e da própria natureza, em detrimento de um futuro conciliador entre o europeu e o índio. Resulta disso que tanto em Iracema quanto O Guarani a afetividade que pode existir entre dois povos tão distintos leva à superação de crises vividas por ambos.
Para Edgar De Decca, Os Sertões, de Euclides da Cunha, obra que ele considera uma das maiores da Literatura Brasileira, aponta as diferenças e exclusão social, denuncia crimes cometidos em busca da identidade nacional e propõe um (re) pensar sobre esse empreendimento.
Registre-se ainda que, além desses autores citados por De Decca, nomes como Paulo Prado, Joaquim Nabuco, Jorge Amado e Fernando morais, por exemplo, indicaram pontos negativos na busca pela formação da identidade do Brasil. Paulo Prado, em Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira, defendera a revolta social como um avanço de consciência da elite e do restante da população; Joaquim Nabuco, em O Abolicionismo, destacara que qualquer mudança que provocasse uma transformação social deveria iniciar com o fim do regime escravocrata; Jorge Amado, em O Cavaleiro da Esperança, defendera a revolução proletária através de suas etapas necessárias; e Fernando Morais, em Olga, ressalta que devemos lembrar do sofrimento como arma política para consolidar um país como verdadeiramente democrático.
Não podemos nos esquecer de agregar ao fardo de todas estas obras anteriormente citadas, O Romance d’a Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, em que a busca da identidade nacional é uma preocupação constante do narrador Quaderna. Segundo afirma Sônia Lúcia Ramalho de Farias, essa busca marca as inquietações filosóficas, políticas e literárias do narrador e de seus dois mentores intelectuais Clemente e Samuel, na tentativa de reinterpretar a história do Brasil. Para ela,
Todos eles procuram reinterpretar a história do Brasil, delineando o que julgam constituir o cerne da nacionalidade brasileira e os traços constitutivos da cultura e do caráter nacionais. (...) A obra de Quaderna constitui, na verdade, uma síntese conciliadora das concepções e dos estilos aparentemente antagônicos de Clemente e Samuel, figuras estereotipadas, de forma maniqueísta, e representativas no texto, respectivamente, do intelectual de esquerda (negro) e do intelectual de direita (branco).
Como vimos, esse problema da identidade nacional vem sendo discutido desde o século XIX. No passar do tempo, foi sendo abordado sob diferentes ângulos e ainda o será mais adiante. Há muito ainda o que se pesquisar e se discutir, e, evidentemente, este post se constitui apenas de poucos traços de um esboço.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DECCA, Edgar Salvadore de. Tal Pai, qual filho? Narrativas da Identidade Nacional. In: BRESCIANI, Maria Stella; CHIAPPINI, Lígia (Orgs.). Literatura e Cultura no Brasil: Identidades e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2002. p. 15 – 27.

FARIAS, Sônia Lúcia Ramalho de. Ariano Suassuna: Espaço Regional, Cultura e Identidade Nacional. Disponível em: http://lfilipe.tripod.com/soniaramalho.htm. Acesso em: 12 de abril de 2013.

GRECCO, Priscila Miraz de Freitas. De una máscara a outra: A questão da identidade em El laberinto de la soledad, de Octavio Paz - A importância das revistas culturais no itinerário intelectual de Octavio Paz. Disponível em: http://anphlac.org/upload/anais/encontro8/priscila_miraz_freitas_grecco%20.pdf. Acesso em: 10 de abril de 2013.

MEZAN, Renato. Identidade e Identificação. Disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/identidadeidentificacao.html. Acesso em: 09 de abril de 2013.

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Disponível em: http://www.culturabrasil.org/zip/oabolicionismo.pdf. Acesso em: 10 de abril de 2013.

SOBRAL, José Manuel. Pierre Bourdieu e o estudo da identidade nacional. Disponível em: http://www.ics.ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp2005/wp2005_6.pdf. Acesso em: 09 de abril de 2013.

Um comentário:

  1. Excelente texto, professor Kleber Brito. Grato.
    Prof. Ms. Adílio Ferreira Soares.
    27-09-2019.

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