A última badalada
Kleber Brito
A missa transcorrera bem até aquele momento.
O padre já estava nos arremates finais da liturgia quando os sinos bateram
violentamente. Mas como? Se a missa ainda não terminara? Não era o fim da missa
que os sinos anunciavam. Era a invasão.
Cerca de trinta minutos antes, os soldados da
volante passeavam ao largo da praça da matriz. Belarmino avistara os parques,
um pequeno tumulto e fora averiguar. Nada. O negro Cosme perambulava de barraca
em barraca, provando iguarias, jogando no bazar, tomando umas e outras. Gastava
o tempo. Cinésio estava de namorico com a filha de Severino Migué e voltava
ajeitando a farda, quando encontrou os companheiros por detrás da matriz.
Justiniano, o fotógrafo, ofereceu-lhes, de
cortesia, um retrato, lembrança daquela festa de padroeira, cortesia pela
proteção policial. Olha o xis, 1, 2, ...
O clamor dos badalos assustou a todos. Seria
o fim da missa? A chuva de balas dizia que não. Cangaceiros? Pior! Cangaceiros
mortos! As balas? Inofensivas fisicamente. Mas o tumulto da marcha dos cavalos
fantasma não deixou um vivente na rua.
Seria aquela a mortandade que assola ao meio
dia? Ninguém tinha resposta. O padre, fechando a última porta do templo,
escutou o destampatório de foguetões que Luiz da pipoca soltou, julgando que
atingiria com os rojões as assombrosas figuras fantasmagóricas.
As bombas atravessaram cavalos e cangaceiros
e atingiram as costas do padre que, ferido, clamava por misericórdia.
Os cavaleiros mortos deram sete voltas ao
redor do templo e só saíram dali quando o coroinha pálido e gelado,
extremamente aterrorizado, antes de cair estatelado na calçada, tocou a última
badalada que marcava o meio dia.
*Na imagem acima, publicada por Cléa Cordeiro Rodrigues no grupo do Facebook "Inesquecíveis anos 70 em Boqueirão" em 11 de maio de 2012, temos Zé Biu, Fausto Eufrásio e Chico Cotó, cidadãos boqueirãoenses. Esta foto serviu de base para a criação deste miniconto durante Oficina de Criação Literária realizada na ECIT Conselheiro José Braz do Rêgo, Boqueirão-PB, em 2019.